Nem o mesmo açude, nem a mesma pessoa
Pela segunda vez retorno a Canudos Velho e parece que compreendo perfeitamente o que disse Heráclito, não se pode banhar no mesmo rio duas vezes. Eu já não sou a mesma e as águas do Açude do Cocorobó também já não são. No ano passado encontrei um açude seco, que guardava em si as ruínas de um povoado que resistiu às injustiças e opressões que se perpetuariam por nosso país. Foram quase três anos de seca, expondo as veias abertas de uma história que insiste em ser invisibilizada. Este ano choveu e o açude encheu de novo. Não no mesmo vigor de seu nascimento, mas o suficiente para colocar sorrisos nos rostos canudenses que nos receberam. Suficiente para reavivar as esperanças de quem quer ver grandes peixes sendo pescados, como foi num passado não muito distante. Com a cheia do Cocorobó se encheu também o meu coração. Hoje percebo que não vim parar em Canudos apenas para fazer educomunicação, para fazer atividades de extensão, nem tampouco para apenas ajudar um povoado esquecido no sertão da Bahia. Hoje sei que a força que emana de Canudos é bem maior do que todo o esforço feito para apagá-la. Pode-se queimá-la, afundá-la sob as águas, ou arrancá-la dos mapas e dos livros; mas nunca se poderá esconder esta terra que existe e resiste. Sejam quais forem os motivos que levam as pessoas até Canudos (e ainda me questiono diariamente quais foram os que me levaram também), o importante é que as pessoas ficam. Ficam em corpo, ficam em coração, ficam em pensamento, ficam em boas vibrações para cada lembrança que se tem desta terra abençoada. Pela segunda vez me prolongo um pouco mais no povoado e vejo partir o ônibus cheio de jovens extasiados que trabalharam intensamente no Projeto Canudos. A cidade silencia. A saudade se espalha. Mas, desta vez este silêncio veio me trazer a compreensão de que esta missão é muito maior do que eu esperava. Não trata-se apenas de um projeto de extensão acadêmica. Trata-se de um trabalho de empoderamento de um povo, de resgate da cultura, da história e da autoestima de gente que abre os braços com prazer para receber estranhos em suas casas. Hoje sei que o Projeto Canudos é um meio para agregar gente que se responsabiliza pela memória, pela cultura, pela educação, pela arte, pela justiça social, pela partilha do conhecimento. Meu desejo mais profundo é que cada vez mais gente se comprometa, colocando sua formação à disposição de quem verdadeiramente precisa. Meu maior anseio é ver outras pessoas se apaixonando por Canudos como eu me apaixonei, como tantos se apaixonaram. Agora tenho certeza: não é um projeto que nos chama, é a terra. Ela clama pelos nossos esforços, pelo nosso trabalho. A terra clama por seu lugar no tempo e no espaço. Canudos existe! Canudos resiste!